Ele subiu tanto que seu corpo
se descolou do banco, o ônibus havia passado por uma lombada em alta
velocidade, e quem está no fundo sempre sofre mais com essas situações. Foi um
chacoalhão, lembrou que buscava inspiração para algo, andava meio distraído
ultimamente, sem viver muitas emoções ou fazer coisas novas. Despertou do seu
quase transe e passou a observar através da janela de forma mais crítica. O que
havia acontecido mais cedo? Bem, as pessoas sempre nos surpreendem, seja de
forma positiva ou não. Lembrou-se de uma cena passada pela manhã, não apostaria
dez centavos na bondade daquele homem no metrô, pois bem, esse mesmo homem deu
seu lugar a uma senhora. Depois de ver aquela cena, percebeu como errou, errou
em tê-lo julgado e em julgá-lo errado.
Mais ainda lhe restou um sorriso que apareceu quando se deu conta que
foi surpreendido, que essa não foi a primeira vez e não seria a última.
Havia achado inspiração.
Reconheceu que a culpa não era da vida que estava lhe pregando peças, não era a
vilã da história, ele é que não estava vendo as coisas de uma forma correta,
não estava sabendo aproveitar cada momento, visão ou gesto. Tinha esquecido
como as pequenas coisas da vida são as mais belas e às vezes as mais
importantes.
Chegou em casa, admirou seu
tempo e foi grato, passar por aquela calçada havia se tornado tão banal.
Lembrou-se dos tempos de infância, as risadas com gosto de Tubaína e cheiro de
salgadinho sabor cebola, o sangue no asfalto durante o futebol de rua, pois
alguém sempre chutava o chão, os restos das bexigas cheias de água que
estouravam e levavam embora o calor das tardes de Julho.
Abriu a porta e viu uma folha,
logo pegou um lápis e se sentou em uma cadeira. Já que estava se sentindo tão
vivo, por que não tentar a sorte escrevendo algo? Sua mão segurava firma aquele
pedaço de madeira enquanto o grafite escorria por toda aquela imensidão branca.
As riscas da folha ditavam os passos daqueles “ballet”, um giro aqui, outro
ali, “vamos para a linha abaixo”, “desvie dessa lágrima ou vai borrar”, “um
pouco de borracha aqui”.
Foi escrevendo sem se importar
com o tempo, sem se importar com o cansaço ou com a fome, Ele estava criando e
nada podia impedi-lo, há muito tempo esperava por um momento como aquele. A mão
já cansada deixou o lápis cair, restos de borracha pela mesa e pó de grafite na
palma de sua mão. Um texto nasceu.