Vi uma mulher usando apenas um
lenço na cabeça e pude notar a falta de cabelo, câncer talvez. Ela não parecia
nenhum pouco triste ou abalada com a sua situação. Vi um executivo bem vestido
secando suas lágrimas com a gravata que não repousava mais em seu pescoço, sua
maleta aberta, deitada, e os papéis voando pela rua. Ele já nem parecia mais se
importar, talvez nada mais fizesse sentido. Vi um morador de rua sorrindo, seus
olhos estavam grudados num desses panfletos que sempre nos entregam e
depositamos na primeira lixeira que vemos. Sua cabeça alternava entre o
panfleto e um caderno que estava apoiado em uma de suas coxas, e enquanto isso,
a mão esquerda corria de um lado para o outro anotando alguma coisa. Mas não,
ela não segurava nada que pudesse marcar o papel.
Vi mais um morador de rua, ele
conversava com uma mulher parada no ponto de ônibus que parecia realmente
interessada. O que mais me incomodou foi o modo como as outras pessoas olhavam
para ela, algo como “o que ela está fazendo com esse traste? Ela ficou mais
maluco do que esse outro?”
Vi muitas coisas que já me cansei
de ver, vi outras que nunca tinha visto, e outras talvez nunca volte a ver.
Envergonho-me de dizer que julguei cada uma delas exatamente do jeito que
muitos julgariam. Por que uma mulher com câncer teria motivos para sorrir? Por
que um executivo bem vestido tem motivos para chorar? Ele deve ter tanto
dinheiro. Onde um morador de rua arruma motivos para sorrir, sendo que todos o
excluem e passam por ele como se não existisse vida ali? Por que essa mulher dá
atenção? Ela deveria se juntar ao resto e ter vergonha de si mesmo. Ou talvez
não.
Talvez a mulher com câncer esteja
feliz porque teve uma ótima vida, ou por qualquer outro motivo que a faça
sorrir – se é que está num estágio avançado da doença, ou se é que tem mesmo
câncer. Talvez o executivo esteja com algum problema que o dinheiro não resolva
– tem gente acreditando mesmo que o dinheiro é a solução pra tudo. Talvez esse
morador de rua nem seja mesmo morador de rua, talvez ele nem saiba o que está
fazendo, talvez saiba. Talvez essa mulher queira ouvir o que ele tem a dizer,
talvez ela se identifique. Ela tem seus motivos, aliás, todos têm. E eu não
quero conhece-los, só se eles quiserem que eu os conheça.
Pelo menos serviu de algo. Redescobri algo que
já tinha descoberto: se muitas vezes nem nós mesmo nos reconhecemos, como posso
ter a audácia de achar que conheço profundamente cada pessoa do mundo?
Simplesmente não posso e não devo.
Tantas pessoas passando, tantas
histórias. Gostos e cicatrizes carregando tanta coisa com elas. Quem sabe de
suas lágrimas e sorrisos? Seus êxitos e fracassos, suas conquistas e decepções?
Talvez nem elas mesmas saibam. E no final, não somos ninguém para julgar
qualquer um que nos rouba um pouco de atenção.