quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Perdido por aí

Eu estava lá, sentado num banco de ônibus, olhando todos que passavam por mim. Meus olhos não faziam questão de segui-los, a menos que algo realmente gritante os puxasse. Minha cabeça? Perdida nos pensamentos que nunca terminavam e sempre puxavam outro e mais outro pra perto deles. Mais uma daquelas longas e às vezes vazias reflexões sobre a vida, sem nada a perder e sem muita coisa e ganhar.

Vi uma mulher usando apenas um lenço na cabeça e pude notar a falta de cabelo, câncer talvez. Ela não parecia nenhum pouco triste ou abalada com a sua situação. Vi um executivo bem vestido secando suas lágrimas com a gravata que não repousava mais em seu pescoço, sua maleta aberta, deitada, e os papéis voando pela rua. Ele já nem parecia mais se importar, talvez nada mais fizesse sentido. Vi um morador de rua sorrindo, seus olhos estavam grudados num desses panfletos que sempre nos entregam e depositamos na primeira lixeira que vemos. Sua cabeça alternava entre o panfleto e um caderno que estava apoiado em uma de suas coxas, e enquanto isso, a mão esquerda corria de um lado para o outro anotando alguma coisa. Mas não, ela não segurava nada que pudesse marcar o papel.

Vi mais um morador de rua, ele conversava com uma mulher parada no ponto de ônibus que parecia realmente interessada. O que mais me incomodou foi o modo como as outras pessoas olhavam para ela, algo como “o que ela está fazendo com esse traste? Ela ficou mais maluco do que esse outro?”

Vi muitas coisas que já me cansei de ver, vi outras que nunca tinha visto, e outras talvez nunca volte a ver. Envergonho-me de dizer que julguei cada uma delas exatamente do jeito que muitos julgariam. Por que uma mulher com câncer teria motivos para sorrir? Por que um executivo bem vestido tem motivos para chorar? Ele deve ter tanto dinheiro. Onde um morador de rua arruma motivos para sorrir, sendo que todos o excluem e passam por ele como se não existisse vida ali? Por que essa mulher dá atenção? Ela deveria se juntar ao resto e ter vergonha de si mesmo. Ou talvez não.

Talvez a mulher com câncer esteja feliz porque teve uma ótima vida, ou por qualquer outro motivo que a faça sorrir – se é que está num estágio avançado da doença, ou se é que tem mesmo câncer. Talvez o executivo esteja com algum problema que o dinheiro não resolva – tem gente acreditando mesmo que o dinheiro é a solução pra tudo. Talvez esse morador de rua nem seja mesmo morador de rua, talvez ele nem saiba o que está fazendo, talvez saiba. Talvez essa mulher queira ouvir o que ele tem a dizer, talvez ela se identifique. Ela tem seus motivos, aliás, todos têm. E eu não quero conhece-los, só se eles quiserem que eu os conheça.

 Pelo menos serviu de algo. Redescobri algo que já tinha descoberto: se muitas vezes nem nós mesmo nos reconhecemos, como posso ter a audácia de achar que conheço profundamente cada pessoa do mundo? Simplesmente não posso e não devo.

Tantas pessoas passando, tantas histórias. Gostos e cicatrizes carregando tanta coisa com elas. Quem sabe de suas lágrimas e sorrisos? Seus êxitos e fracassos, suas conquistas e decepções? Talvez nem elas mesmas saibam. E no final, não somos ninguém para julgar qualquer um que nos rouba um pouco de atenção.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Nublado

Daí a campainha tocou, mas eu já esperava. O porteiro tinha avisado que você chegara e eu, autorizado sua subida. Era mais uma dessas noites frias de São Paulo, nublada, cinza, carregada de sentimentos diferentes em cada esquina da metrópole, em cada mesa de bar, em cada grafite na parede, em cada alma que estivesse por ali.
Abri a porta e lá estava você, parada na minha frente, olhando pro chão esperando a porta abrir. Nossa! Como você é linda. Eu não sou de reparar nessas coisas até mesmo porque eu não entendo, mas você fez alguma coisa no cabelo, não fez? Eu até queria ficar te olhando aqui na porta do meu apartamento, torcendo pra algum vizinho passar e parar pra falar comigo, quem sabe eu não tomasse coragem pra te apresentar.
Te seguro pela mão, te levo até o sofá e te sirvo um cálice de vinho. Sabe? Eu nunca liguei pra essa coisa de safra de vinho, mas fiz questão de me informar sobre essa só pra te impressionar.

Fui à cozinha ver o forno e descobri que o que eu estava preparando pra nós passou do ponto. Vem cá, vamos cozinhar algo juntos então. Piadas bestas, risos sinceros, paqueras entre eles e eu pensando que você também fica linda de avental e suja de farinha.
Mais um pouco de vinho, eu, você e o sofá. Conversas, risadas alteradas e um desejo ficando cada vez maior. Eu sem saber o que fazer e quando fazer, nunca fui bom nessas coisas, e fica mais difícil agora com você fazendo questão de esconder seus sinais, ou talvez eu apenas não saiba interpretá-los. A taça pulou da sua mão pra mesa de centro, você passou por cima de mim e me beijou. Mais e mais vinho – mesmo que a ressaca nos castigasse -, menos e menos roupa. O sofá, a sala, o chão, a cozinha, o quarto.

A garrafa de vinho com bem menos da metade, a cama bagunçada, algumas peças de roupa, e seu corpo, envolto num fino lençol branco que deixava suas costelas à mostra. Essa foi a última cena que vi antes de adormecer. Acordei com a cabeça latejando e descobri que não havia sido um sonho, vi seu rosto repousando sobre o travesseiro e continuo achando que você fez algo no cabelo.

Pensei que talvez fosse melhor levantar e arrumar um pouco a bagunça que tínhamos feito, fui mas voltei pra cama assim que a dor de cabeça apertou, talvez deitar e ficar um tempo quietinho fosse bom. Acabei caindo no sono de novo.
Acordei com seus lábios no meu e com seu “bom dia” assim que percebeu meus olhos se abrindo, “bom dia, meu amor”. Talvez eu devesse levantar, preparar o café, pegar um remédio pra você e trazer tudo aqui na cama. Talvez eu devesse ficar aqui com você, sentindo o calor do sol que entra pelas frestas da janela dando um tom dourado à sua silhueta e ver meu sorriso refletido nesses seus olhos de jabuticaba. Mas sabe? Eu quero ver como você fica linda andando descalça e usando só a minha camisa por esses corredores que agora também são seus.