quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Chuva da janela

[Você pode ler esse texto ouvindo Milo Greene - 1957]

Choveu e de dentro do ônibus pude olhar o mundo através de uma gota d'água que repousava na janela. As coisas perdem foco, ganham brilho e eu passo a enxergar diferente.

Vi que justo da primeira vez que as coisas pareciam tomar um rumo diferente do que sempre foi, aconteceu de novo. No deslizar dos dedos pros lados, era mais um rosto bonito que ia pra direita.

Até aí tudo bem, qual a chance de dar em algo? existiam outras oportunidades menos remotas e outras já concretas. E mesmo quando todas as minhas experiências passadas apontavam pra uma direção, minha teimosia somada a algum pressentimento me fizeram persistir até a direção apontada ser outra.

Há quem vá dizer que não era momento, que seria mais fácil se não soubesse nada sobre você, ou que estava delirando por achar que algo surreal como aquele pudesse ter sequência. Mas pras essas coisas, o óbvio nunca foi mesmo o que mais me atraiu, e nada nunca precisou fazer sentido.

Prometi a mim mesmo que não iria tentar planejar nada, deixar a maré me levar mesmo que virasse tempestade. Então cá estou. Dizem que mar calmo nunca fez bom marinheiro, então assim eu deixo ir, me molhando com a chuva que cai.

Nunca fui bom com quebra-cabeças e sempre odiei não ter controle de nada. Deve ser por isso que fico doido quando este puto que habita o lado esquerdo do meu peito se atreve a tomar as rédeas, não tem quem o segure nessas horas. Ninguém nunca conseguiu, pelo menos não até agora.

domingo, 2 de novembro de 2014

Dois Ipanemas, por favor

[Você pode ler esse texto ouvindo Jason Mraz - A world with you]

Aquele caminho entre a estação Paulista da linha amarela e a estação Consolação da linha verde nunca foi tão tortuoso. Um frio na barriga e uma quantidade de borboletas no estômago capaz de dar inveja a qualquer estufa de flores.

O misto de vergonha e ansiedade ficava mais forte à medida que eu me aproximava. Passei pela catraca, demorei um pouco pra te achar, peguei o celular e pensei em te ligar. Guardei no bolso. Não queria que o telefone fosse mediador da primeira vez que fosse ouvir sua voz. Olhei pro lado e lá estava você.

Coração dispara, suspira, respira fundo e vai. Tentando parecer natural e não sendo nada natural justamente por essa tentativa.

Parei perto de você, não chamei seu nome. Observei-te tirar o fone do ouvido ainda de cabeça baixa. No aproximamos num tímido beijo no rosto seguido de uma tentativa de abraço. Disse que não sabia chegar aonde íamos e foi assim que vi seu sorriso de perto pela primeira vez. Minha falta de noção pra endereços nunca foi tão bem recompensada.

- “Tá chovendo, quer esperar a chuva passar?”.

- “Eu não ligo, podemos ir assim mesmo”.

Meu lado que gosta de tomar chuva me perguntou quem era essa menina incrível que estava parada na minha frente. Sem preocupação nenhuma em se molhar, sem usar nenhum disfarce que as gotas pudessem tirar, e ainda assim, sem perder a vaidade feminina que herdou.

Decidimos juntos enfrentar a chuva. Quando preciso foi, tomei a frente formando uma espécie de barreira toda vez que a chuva apertava. Dois quarteirões e chegamos. Um lugar até então desconhecido, mas que tinha tudo pra se tornar o meu preferido. Uma companhia pouco conhecida, mas que tinha tudo pra se tornar a minha preferida.

Sem querer, escolhemos a mesma coisa no cardápio. Depois aproveitamos pra ver as outras opções, pedir mais algumas e planejar quando iríamos experimentar as que restaram.

Descobri que gosta de andar descalça, que vai acampar no final do ano, que é organizada de maneira peculiar, que é responsável, que teve o visto negado por sobrenome. Descobri mais sobre o gosto musical, sobre a família, um pouco sobre o passado e quase nada sobre o futuro. Sobre quantos filhos vai ter e seus nomes. Discordamos nesse ponto, mas temos muito tempo pela frente.

“Gostei da cor do cabelo dele”, “Arctic Monkeys? Tava tocando uma música deles quando entramos”, “Tem uma parede incrível no banheiro”, “A comida de lá é ótima, mas ontem comi um quiche sonso”, “Liga, você vai ter que ligar. Dá aqui que eu ligo. Ué, não era essa a senha do seu celular?”.

Saímos mais juntos do que entramos. Fizemos do cruzamento da Haddock Lobo com a Antônio Carlos e a Bella Paulista virar nosso cenário. Andei uma estação a mais pra te mostrar o caminho e só parei porque você me perguntou até onde eu ia e me puxou pra se despedir.

Agora eu estou aqui, lembrando do seu sorriso e ainda tentando arrumar o meu cabelo que você teima em dizer que está normal. 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Eu não sei mais me apaixonar

[Você pode ler este texto ouvindo Banda Tópaz - Se for pra tudo dar errado]

Uma vez, durante o choro da minha primeira desilusão amorosa, me disseram “aproveita até mesmo essas lágrimas. O tempo passa, você fica mais velho e até se apaixonar fica mais difícil”. Dei de ouvidos. Como era possível algo como se apaixonar ficar difícil? Não era.

Algumas vezes depois de entrarem pela porta da frente, bagunçarem tudo e saírem sem avisar ou deixar um bilhete, tive que construir um muro em volta, mas houve quem se atrevesse a pular. Algumas com destreza na hora de entrar, mas deixando um buraco chamado carência quando iam embora.

Por conta do buraco, qualquer uma que passava em frente podia entrar. Eu nem me preocupava em dizer “não repara a bagunça”. Eles nem encostavam em nada. Nem arrumavam, nem bagunçavam mais ainda, então fui deixando como estava.

Mas um dia você acorda farto de bagunça, farto de viajantes entrando pelo buraco no muro, farto do “tanto faz” e do vazio que as breves aparições deixavam quando iam. E aí, meu amigo, é hora de fazer algo.

Por ironia ou por acaso, bondade ou maldade do destino, eis que ela surge. Cabelos longos e claros, de riso fácil, e que, intencionalmente ou não, tem o poder de me ajudar a reconstruir tudo aqui dentro.
Se, por ventura, decidir entrar, espero que fique. E se assim decidir, prometo que, mesmo com todo meu anseio por organizar as coisas, deixarei que se ajeitem por si. Sem programar nada, sem planos fracassados e frustrações, sem expectativas depositadas, sem responsabilidades que não são tuas ou minhas.

Continuaremos assim como vem sendo, te descobrindo um pouco mais a cada dia.

E por mais que tenha soado egoísta, falo assim pois, somente posso falar por mim. Um dia, quem sabe, isso muda.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Você veio e eu fui

[Você pode ler este texto ouvindo - The Killers - For reasons unknown]

E lá está ela. Continuo gostando do seu cabelo assim como no primeiro dia em que a vi, mas hoje é diferente.

Lembra de quando passou por aquela porta? Sem nem saber onde estava entrando, tampouco com intenção de ficar, mas ficou. E hoje quem sai por lá sou eu.

Acho que não é culpa de ninguém, as pessoas mudam, ué. E eu já não tenho a mesma cabeça que tinha há dois anos atrás, nem você. E se sobra culpa que deve ser creditado a algo ou alguém, que seja ao tempo. Mas agradeça logo depois, ele vai ser seu melhor amigo quando eu me for.

Por que assim? Ora, não sei. A gente não começa uma coisa dessas pensando em acabar, nem se acaba, ou como acaba. Você entrou e foi ficando, eu não te pedi para sair, pelo contrário, até quis que ficasse, mas nada disso pensado ou planejado.

E acho que você pode imaginar que não simplesmente acordei um dia e quis que fosse assim, mas aconteceu, desgastou. Talvez tivesse sido diferente se fosse de outro jeito desde o começo, mas não é justo falar disso agora, de nada adianta.

Nunca fiz isso antes, então me perdoa qualquer coisa. Até acho que quem deveria ir embora é você, mas levaria muito eu junto de ti, então fique. Fique até ser indiferente, até quando achar que deve, até que nenhum cheiro, som ou lugar te faça lembrar do que um dia fomos.

Eu vou, mas deixe que eu vá. Então eu fui...

quarta-feira, 26 de março de 2014

Acaso

[Você pode ler esse texto ouvindo Mumford and Sons - Lover of the light]


Se algum dia, por acaso do caminho, falta de amor próprio, vergonha na cara ou vontade, eu aparecer na sua porta, abra. Se aí dentro de você ainda restar algo  que te faça pensar em nós, nem que de vez em quando, me chame para entrar.

Eu vou sentar no mesmo lugar do sofá onde sempre sentei e você vai se sentar ao meu lado. Vamos nos virar, um de frente para o outro, e vamos nos encarar por algum tempo. E você, por favor, não quebre o silêncio.

Vou me perder nos seus olhos depois de secar uma lágrima minha e outra sua e dizer que você continua linda. Mas tudo vai valer se no fim desse ritual seus olhos se voltarem para baixo e seus lábios se esticarem para os cantos, formando o sorriso mais lindo que eu já vi.

Se a luz do seu quarto me permitir ver meu orgulho, apague-a. E se meus olhos desviarem dos seus, mirando o nada e indicando que meus pensamentos estão longe, beije-me.

E por um instante, não importa quanto tempo tenha passado, eu vou lembrar que como você não há ninguém. Serei seu se você for minha, pelo menos por hoje ou enquanto durar nosso amor eterno que já acabou cinco vezes.

E se na manhã seguinte, você acordar e seus braços não acharem nada, foi falta de um beijo seu pra interromper minha fala, tirar meu fôlego e espantar minhas dúvidas.

Mas em cima da mesa tem um bilhete: "te amaria nem que fosse por um dia".

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Até a próxima estação

[Você pode ler esse texto ouvindo Passenger - Let Her Go]

Este texto é sobre uma das muitas paixões no metrô que acontecem todos os dias, e como na maioria delas, acabou num desembarque.

Eu já estava lá quando ela entrou, e a única coisa que consegui ver foi um olho cor de mel. Sim, um. Porque todo o resto se escondia atrás de outra passageira.

Notei algumas mechas de cabelo que balançavam na altura do ombro quando o trem freava. Reparei no sorriso que se formou, quando uma senhora perdeu o equilíbrio e se segurou no braço dela, onde permaneceu durante toda a viagem.

E que sorriso lindo. No canto da boca no início, mas tomando conta do rosto inteiro depois, junto com covinhas.

Um roteiro de cinema digno de Oscar já se formava na minha cabeça. A sorte a faria descer numa estação antes da minha e eu iria atrás: "oi, desculpa o jeito, mas qual seu nome? Eu nunca fiz isso antes porque nunca achei alguém que, mesmo sem saber, me desse coragem pra fazer. Eu vou me atrasar pra minha reunião, mas tudo vai valer a pena se eu virar as costas sabendo seu telefone" e quando estivesse indo embora "ah, e no caso de não terem dito hoje: você é linda".

Eu estava decidido a descer na mesma estação, ir atrás dela e gaguejar tudo que planejei. Mas a medida que as estações iam passando, mais gente ia entrando e mais longe de mim ela ia ficando.

Eu a perdi de vista e só fui descobrir em que estação ela desceu quando o sinal sonoro indicava o fechamento das portas. Já não era mais em tempo, não pro tamanho da minha coragem.

Eu não sei o nome dela, tampouco o telefone e nem se vou encontrá-la algum dia. No entanto, aprendi mais uma vez que a vida é sim sobre se planejar, e mais ainda sobre estar preparado pro plano falhar. E, se quiser, improvise.

Pra todos aqueles que duvidam: existe amor em SP.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Carta pra ela

[você pode ler esse texto ouvindo Vance Joy - Riptide]


Oi, estava fazendo um balanço da minha vida nos últimos meses e decidi que precisava te escrever pra contar algumas coisas. Eu vou te entender caso queira rasgar o papel agora e atear fogo, tá tudo bem.

Se existe um culpado nessa história toda, esse culpado sou eu. O maior culpado, o maior prejudicado e o que mais gosta de ser fazer de vítima, repetindo como um mantra “desculpa, é que passou alguém aqui antes e levou tudo”. E olha, pode até ser que sim, mas isso nunca foi motivo pra nada, mas eu decidi que seria a minha desculpa.

Por mais que a gente mude sem perceber, uma hora a gente percebe. E quando percebe, dá pra dizer se o que nos tornamos agrada ou não, e se não agrada a gente muda, certo? Certo, a diferença é que eu não gostei, mas também não comecei a mudar ainda e estou pagando um preço alto por isso.

Pode até ser bom ficar na defensiva e tocar o “foda-se” toda vez que alguma coisa faz o meu coração bater mais forte. Envolvo-me menos, me machuco menos, e até agora, sempre consegui escapar antes que fosse tarde. Mas é esse também o problema.

Não me envolvo mais, já nem sei qual foi a última vez que meu coração bateu forte por um motivo que eu me permitisse gostar, e borboletas no estômago? Parece que foram extintas.

Você é incrível. Seu sorriso continua sendo lindo e eu nunca disse isso sem realmente achar, por mais que soubesse o que você queria ouvir. A parte boa disso tudo, é que você me fez perceber que a ainda existem pessoas pelas quais eu posso me apaixonar e que a vida vai ser bonita e amanhã eu volto a sorrir.

Eu sinto muito por ter te conhecido na época errada. Por mim mesmo, porque não fui capaz de ser bom pra você e preferi te ver voando pra longe a subindo no altar. É o preço que pago toda vez que escolho ser uma pessoa que não gosto.

Mas até algum dia, quem sabe. Não porque você deva voltar, nem porque eu vou atrás de você pra recuperar o tempo perdido, mas sim porque a vida sempre me surpreende. Ela tirou meu teto e me deu as estrelas, mas eu preferi fechar os olhos e voltar a dormir.