domingo, 2 de novembro de 2014

Dois Ipanemas, por favor

[Você pode ler esse texto ouvindo Jason Mraz - A world with you]

Aquele caminho entre a estação Paulista da linha amarela e a estação Consolação da linha verde nunca foi tão tortuoso. Um frio na barriga e uma quantidade de borboletas no estômago capaz de dar inveja a qualquer estufa de flores.

O misto de vergonha e ansiedade ficava mais forte à medida que eu me aproximava. Passei pela catraca, demorei um pouco pra te achar, peguei o celular e pensei em te ligar. Guardei no bolso. Não queria que o telefone fosse mediador da primeira vez que fosse ouvir sua voz. Olhei pro lado e lá estava você.

Coração dispara, suspira, respira fundo e vai. Tentando parecer natural e não sendo nada natural justamente por essa tentativa.

Parei perto de você, não chamei seu nome. Observei-te tirar o fone do ouvido ainda de cabeça baixa. No aproximamos num tímido beijo no rosto seguido de uma tentativa de abraço. Disse que não sabia chegar aonde íamos e foi assim que vi seu sorriso de perto pela primeira vez. Minha falta de noção pra endereços nunca foi tão bem recompensada.

- “Tá chovendo, quer esperar a chuva passar?”.

- “Eu não ligo, podemos ir assim mesmo”.

Meu lado que gosta de tomar chuva me perguntou quem era essa menina incrível que estava parada na minha frente. Sem preocupação nenhuma em se molhar, sem usar nenhum disfarce que as gotas pudessem tirar, e ainda assim, sem perder a vaidade feminina que herdou.

Decidimos juntos enfrentar a chuva. Quando preciso foi, tomei a frente formando uma espécie de barreira toda vez que a chuva apertava. Dois quarteirões e chegamos. Um lugar até então desconhecido, mas que tinha tudo pra se tornar o meu preferido. Uma companhia pouco conhecida, mas que tinha tudo pra se tornar a minha preferida.

Sem querer, escolhemos a mesma coisa no cardápio. Depois aproveitamos pra ver as outras opções, pedir mais algumas e planejar quando iríamos experimentar as que restaram.

Descobri que gosta de andar descalça, que vai acampar no final do ano, que é organizada de maneira peculiar, que é responsável, que teve o visto negado por sobrenome. Descobri mais sobre o gosto musical, sobre a família, um pouco sobre o passado e quase nada sobre o futuro. Sobre quantos filhos vai ter e seus nomes. Discordamos nesse ponto, mas temos muito tempo pela frente.

“Gostei da cor do cabelo dele”, “Arctic Monkeys? Tava tocando uma música deles quando entramos”, “Tem uma parede incrível no banheiro”, “A comida de lá é ótima, mas ontem comi um quiche sonso”, “Liga, você vai ter que ligar. Dá aqui que eu ligo. Ué, não era essa a senha do seu celular?”.

Saímos mais juntos do que entramos. Fizemos do cruzamento da Haddock Lobo com a Antônio Carlos e a Bella Paulista virar nosso cenário. Andei uma estação a mais pra te mostrar o caminho e só parei porque você me perguntou até onde eu ia e me puxou pra se despedir.

Agora eu estou aqui, lembrando do seu sorriso e ainda tentando arrumar o meu cabelo que você teima em dizer que está normal. 

Um comentário:

  1. Criar pontes entre percepções e argumentos é muito difícil. Há que se ter sensibilidade e talento para colocar em palavras o convite à travessia.
    Parabéns pelo conjunto.

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